segunda-feira, abril 17, 2006

Quase...

É terrível, passar os dias à espera do telefonema fatal. E a cada dia que passa, a angustia aumenta, porque vemos a pessoa a sofrer. Por um lado, desejo que estes momentos terminem logo. Ninguém merece viver daquela forma. Por outro, "apetece-me" ser egoísta, e dizer que quero mais um pouco de tempo. Nem eu sei para quê!
Um ano e meio após termos descoberto a situação, estamos perante a linha que divide tudo. Basta retirar um frasco de soro... ou desligar alguma máquina, para que essa divisão, se transforme em algo definitivo. Olho para ela, e recordo a sua maneira de ser. As viagens que fez; as pessoas que amou e que recusou, por saber que a sua liberdade, era mais importante; a sua personalidade forte... e agora? o que restará disso tudo, no pequeno mundo que a doença criou para ela?
Levei 31 anos, para descobrir a mulher que se encontra dentro dela. Durante muitos anos, via-a somente como uma tia, que morava em Lisboa, e que nos visitava nas férias e festas santas. A típica pessoa que nos oferecia lingerie (basicamente, meias). :) Como não sou muito ligada à minha familia materna, nunca me importei com esse facto. Até porque tive más experiências com ela, quando era criança.
Com o tempo, e com a idade a avançar, começou a ficar cada vez mais rezinga (mau feitio mesmo), o que fez com que me afastasse dela. Só pouco tempo antes da doença se manifestar, é que me comecei a aproximar, primeiro por pena, porque achava que ela vivia muito sozinha; depois, porque ela precisava de cuidados básicos.
Após ter vindo morar connosco, e como comecei a cuidar dela, no início, deu para termos conversas, que me fez recordar que existem sempre dois lados da história. Fez-me entender, o porque de algumas mulheres da minha familia materna, agirem da forma como o fazem. Coisa que nunca tinha compreendido, e contra as quais, confesso que guardava algum "rancor". Entretanto, a mente foi-se distanciando...

A Morte Não É Nada Para Nós

"Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma idéia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no facto de não viver. É pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la.
Tolice afligir-se com a espera da morte, pois trata-se de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais.

Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais. Mas o vulgo, ou a teme como o pior dos males, ou a deseja como termo para os males da vida. O sábio não teme a morte, a vida não lhe é nenhum fardo, nem ele crê que seja um mal não mais existir. Assim como não é a abundância dos manjares, mas a sua qualidade, que nos delicia, assim também não é a longa duração da vida, mas seu encanto, que nos apraz. Quanto aos que aconselham os jovens a viverem bem, e os velhos a bem morrerem, são uns ingénuos, não apenas porque a vida tem encanto mesmo para os velhos, como porque o cuidado de viver bem e o de bem morrer constituem um único e mesmo cuidado."

Epicuro, in 'A Conduta na Vida'


6 Comments:

Blogger margusta said...

Querida HeidY,
...passei para te espreitar um pouco...e...bom vejo que estás a viver momentos dificeis, pelo que entendi a tua tia está de partida...

Sentes o mesmo que eu sentia em relação ao meu sogro...quantas vezes rezei para que ele morresse mesmo ali á minha frente...tanto era o sofrimento...hora e meia antes de falecer e quando saimos da visita depois de nos ver e olhar para mim e para o filho perdeu de imediato a visão....

Fui eu quem atendeu o telefonema do hospital...feui eu quem deu a noticia á familia...fui eu que levei a roupa para o vestir...fui eu quem lhe colocou um terço na mão...fui eu que cheguei a velá-lo sózinha...fui eu que lhe destapei o rosto vezes sem conta porque ele estava a sorrir...tal foi o alivio na hora da partida... fui eu que brinquei no velório e lhe ofereci um cigarrito quando fui fumar(odeio dizer que fumo)...fui eu quem lhe colocou sobre o peito um coração de flores com o ultimo beijo dos netos...foi a minha voz a ultima familiar que ouviu...fui a ultima a vê-lo antes de fecharem o caixão....e foi em mim que eledeixou um grande legado...um dia postarei sobre isso...ainda recordo as noites em que lhe cantava canções de embalar para lhe aliviar o sofrimento e fazer com que ele adormecesse...

Sabes agora nesta pausa é que tenho estado a fazer o meu luto...

Força Heidyta...e quando o telefone tocar, pensa apenas que já está em paz....

A exposição será neste Domingo ou no Próximo a inauguração...depois aviso...

Abraço-te forte!!!

12:16 da tarde  
Blogger heidy said...

Menina das tranças:
A pessoa que mais me custou ver partir foi a minha avó paterna. Adorava aquela mulher. Apesar ed todo o sofrimento que a vida lhe impôs, tinha sempre um sorriso e um olhar que nunca consegui esquecer. E que me anima nas horas menos boas. Sei que se existe mesmo um anjo da guarda, no meu caso, é ela. Porquê? porque quero acreditar que continua do meu lado. :)Também fui a ultima pessoa da familia que a vi com vida. Ela sabia... tenho a certeza disso, que faltava pouco. Não quero analisar, o porquê de ter voltado atrás para lhe dar aquele abraço. Só sei, que na altura senti que tinha de o fazer. E essa é a ultima recordação que tenho dela. :)
Em relação ao teu sogro, ao menos sabes que tentaste fazer tudo por ele. Lutaste, meses e meses. :) E se faleceu com um sorriso, também foi porque partiu, com a certeza de que era amado. E existe algo mais gratificante que isso? chegar ao fim da linha, e saber que se parte, mas algo de nós fica no coração de alguém? :)

No que se refere à minha tia... está complicado. Meses e meses a vê-la decair. Neste momento está tipo bebé, mas cheia de feridas, por estar acamada, e os rins pararam. Se fosse mais nova, ainda existia a hipotese da hemodialise, mas com 83 anos, os médicos não querem arriscar. Quando cheguei lá no sábado, até a sonda lhe tinham tirado.
Sabes realmente o que me revolta? tratamo-la com miminhos. Tentámos que tivesse o minimo de cuidados, chegando ao ponto de contratar um enfermeiro particular (internamo-la por que já não sabiamos como cuidar dela, por causa dos rins). Sabes o que é chegar lá ao hospital, e vê-la sem comer? sim, porque elas descairam-se e disseram-nos isso. Ninguém se deu ao trabalho de lhe colocar de novo a sonda. Estão a deixa-la morrer. Eu já refilei uma catrefada de vezes, e continua tudo na mesma.

Moça, força. Sei o quanto ficaste afectada com a situação.Mas com o tempo vais recuperar. E agora tens a tua exposição

beijokas

2:35 da tarde  
Blogger margusta said...

HeidY,
...passo para te deixar um beijinho!

Não pergunto sobre a tua tia...apenas aguardo noticias...pelo que contas vejo que é só uma questão de tempo...
Muita Luz e Paz para ela...e muita força para toda a tua familia e para ti amiga!...

9:31 da manhã  
Blogger Xuinha Foguetão said...

Muita força Heidy!

Um beijo para ti e outro para ela.

10:23 da manhã  
Blogger Unknown said...

Não há sentimento pior do que a impotencia de ver-mos alguém que ama-mos sofrer e morrer todos os dias um pouco...ver alguém que ama-mos transformar-se num mero farrapo humano, e numa sombra do que era ainda há pouco tempo atrás...e não pudermos fazer nada para alterar isso...
Beijinho

8:25 da tarde  
Blogger heidy said...

Pois...
E o que me faz ficar de boca aberta, é o facto de isto se passar nos nossos hospitais. Sempre tive uma ideia negativa em relação a esses estabelecimentos, mas agora... piorou. E bastante!!!!

bjitos raparigas

11:35 da manhã  

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